Pouco mais de um mês após a deflagração da greve nacional nas IFE, o quadro de aguda precarização e desvalorização da educação pública e do trabalho docente fez com que a greve se expandisse vigorosamente por todo o país. Hoje temos uma greve de todos os setores da educação federal, que mobiliza professores, estudantes e servidores técnico-administrativos de mais de 90% das universidades e institutos federais do país, evidenciando a profundidade da crise estrutural que afeta o sistema federal de ensino superior no Brasil. Diante do fortalecimento da nossa greve e das greves que se iniciaram em todo o setor da educação federal, o governo Dilma, que desde seu início tem se recusado a negociar com categorias em greve e conceder qualquer reajuste salarial antes de 2014, viu-se obrigado a nos receber e a buscar saídas em relação a perdas de direitos de percentual de insalubridade e de periculosidade, conforme expresso na MP 568/2012.
Após mais de 30 dias de greve, é evidente que o fato de o governo ainda não ter nos apresentado qualquer proposta demonstra que, a despeito de ter mantido formalmente um processo de negociação nos últimos anos, o governo não tinha qualquer proposta concreta para apresentar à categoria nem qualquer intenção de atender nossas reivindicações antes de se ver premido pela força de nossa greve. Desde a suspensão unilateral da última reunião de negociação por parte do governo, nossa greve nacional continuou a crescer, fortalecida com a adesão de novas instituições, com a expansão e consolidação da greve nacional da FASUBRA e do SINASEFE e a realização de atos públicos e grandes mobilizações de massa, como as ocorridas no Rio de Janeiro por ocasião da Rio + 20.
Embora o Brasil esteja hoje em 13º lugar no ranking mundial de produção científica e tecnológica, o que atesta o imenso potencial de nossas universidades públicas, nós, profissionais da educação, estamos hoje dentre as categorias com os mais baixos salários do Serviço Público Federal. O movimento docente nesta greve busca se contrapor à lógica de desmonte do ensino público superior de qualidade. Esta luta é pela reestruturação da carreira e pela melhoria das condições de trabalho, ou seja, pela valorização do trabalho docente. São muitas ameaças a direitos já conquistados, tais como as ocorridas na Lei 11.874 de 2008 e na MP 568/2012. Nos marcos das condições de trabalho, são muitos os relatos de ausência de professores efetivos, de laboratórios de pesquisa, de salas de aula, de salas de estudo, de bibliotecas lotadas por falta de espaço e com acervos restritos, de instalações precárias, de infra-estrutura saturada ou mesmo inexistente, de financiamento per capita em queda, de assistência estudantil limitada e de salários congelados e desvalorizados.
Além da expansão precária, da desestruturação da carreira e do congelamento salarial imposto pelo governo Dilma, ao velho estilo dos dois mandatos de FHC e do primeiro mandato de Lula, a retirada de direitos dos servidores públicos com a regulamentação da privatização da previdência (criação do FUNPRESP) a serviço do capital financeiro, e a privatização dos hospitais universitários, materializada na criação da EBSERH (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares), agravam o quadro que nos levou a deflagrar a greve. Num mundo em que as universidades, centros de pesquisa, faculdades tecnológicas, escolas técnicas e o sistema público de educação e produção de conhecimento, ciência e tecnologia, têm um papel centralmente estratégico na produção e na reprodução da sociedade, não podemos mais aceitar que se perpetue a desvalorização histórica do trabalho docente, da educação, da cultura e do conhecimento em nosso país.
Esta desvalorização se expressa claramente no orçamento do país: em 2011, 708 bilhões de reais do orçamento da União foram destinados ao pagamento de juros e amortizações da dívida pública, o que significa que 45,05% do orçamento do país foram repassados pelo governo a somente 0,3% das famílias brasileiras. À educação pública restou apenas 2,99% (dados da Auditoria Cidadã da Dívida). Como se não bastasse, em 2011 e 2012 o governo Dilma patrocinou programas de isenção fiscal de 155 bilhões para as grandes empresas, retirando das áreas sociais mais de 105 bilhões de reais. A educação foi um dos setores mais afetados pelos cortes de Dilma.
NOSSA PAUTA E AS ARMADILHAS DO GOVERNO
É preciso atentar para os últimos movimentos do governo. Em 2008, através da Lei 11.874, foi revogada a base legal do pagamento de 55% sobre o Vencimento Básico (VB) do professor 40 horas, para os professores em regime de Dedicação Exclusiva (DE). Além disso, os percentuais destinados aos adicionais por titulação foram eliminados e foram criadas as Retribuições por Titulação (RT), construídas em valores nominais e desvinculadas do vencimento básico. Em 2012, a MP 568 acabou com o paradigma percentual de remuneração para os professores em regime de Dedicação Exclusiva, de 210% a mais que um professor de 20 horas. Em síntese, o governo avança em seu projeto de desestruturar nossa carreira, abandonando os percentuais de evolução na remuneração, tal como nós a defendemos, como critérios permanentes para a reestruturação da carreira docente.
Nossa luta pela valorização da carreira docente passa, portanto, pela reafirmação da importância do investimento em contratação de professores em regime de Dedicação Exclusiva (DE). Este investimento, porém, não deve refletir ganhos em valores nominais, mas sim percentuais de referência para toda a categoria, inclusive para os aposentados, pelo princípio da paridade. Em outros termos, há que se alertar para as armadilhas de possíveis propostas centradas exclusivamente em tabelas salariais, pois estas tabelas podem esconder um projeto maior: o de romper com referências percentuais que produzam direitos permanentes, a longo prazo, tais como o de valorização do regime de DE e de percentual para titulação e o de precarizar a docência, com salários cada vez mais defasados, carga de trabalho crescente e obstáculos cada vez maiores à progressão funcional .
Até agora, não há proposta efetiva por parte do governo. Assim, é preciso ter consciência das armadilhas das falas do secretário do Ministério do Planejamento que sinalizam para uma referência salarial em outras carreiras. Nestes marcos, as armadilhas estarão por trás das cifras: está na contramão de nossa luta falar em carreiras pautadas no produtivismo, sem paridade entre ativos e aposentados e com gratificações condicionadas por pontos obtidos em função de avaliação de desempenho individual, retrocedendo em relação a conquistas obtidas por nós, como a de incorporação de gratificações. Nossa luta tem sido em combate à política de gratificações, na defesa do tripé indissociável de pesquisa, ensino e extensão e na garantia de uma progressão com base na experiência acadêmica, na formação continuada e na Avaliação Institucional no âmbito da autonomia universitária.
Portanto, a estratégia do governo, que conta com aliados tanto no meio sindical como no meio acadêmico, coloca obstáculos a proposta de reestruturação da carreira do ANDES-SN, que tem como referência uma tabela salarial com piso igual ao salário do DIEESE (abril/2012, R$ 2.329,35) para professor 20h graduado, com steps de 5% entre níveis e regimes de trabalho, titulação com os percentuais bem definidos sobre o VB, carreira única, paridade e integralidade para os aposentados, incorporação de todas as gratificações, e garantia dos direitos adquiridos anteriormente.
Nossa proposta se apóia em princípios que identificam e consolidam a relação da carreira docente com a universidade pública de qualidade e com pressupostos que alicerçam uma docência equilibrada, sem atropelos, sem produtivismo e sem disputas fratricidas. Toda nossa luta se pauta por reivindicações de conteúdo, cujos números devem representar direitos expressos em corpo de lei e não em valores nominais concedidos em consonância com a política do governo. Assim, uma carreira consistente, que atenda aos anseios da categoria não pode partir de analogias com outras que diferem essencialmente da nossa, cuja natureza específica impõe que a pesquisa se integre de maneira plena ao ensino e à extensão. Nossa luta é pela carreira de professor federal e pela melhoria das condições de trabalho.